quarta-feira, 23 de julho de 2008

Organize a Campanha....

O que você pode fazer na sua universidade:

· Participe ou organize um coletivo feminista na sua universidade. Caso não conheça algum, converse com suas colegas de faculdade, companheiras de militância;
· Reúna as estudantes que participam de coletivos feministas e do movimento estudantil, ou que tenham interesse em começar a participar, para conversar sobre a campanha da UNE e constituir o comitê pela legalização do aborto;
· Organize debates públicos e abertos para trazer mais aliadas e aliados para essa luta;
· Participe nas atividades do movimento de mulheres de sua cidade e estado sobre a legalização do aborto.
· Para colocar a campanha na rua: colagem de cartazes da Campanha, Lambe-Lambe, confecção de camisetas e adesivos.
· Leia e estude sobre o tema. Esta cartilha é uma opção.
Este blog será um espaço de permanente troca entre as experiências de cada universidade, assim como de consulta de informações, calendário e sugestões.
Leia, debata, divulgue, coloque a campanha na rua!

Essa luta também é do movimento estudantil...


A construção de uma sociedade livre de qualquer tipo de discriminação e de desigualdade passa pela eliminação de todas as bases que as sustentam e as legitimam: a guerra, a discriminação, a violência, o machismo, o racismo e a homofobia. Transformar a sociedade passa também por questionar as imposições de padrões de comportamento sexual, a luta pelo direito ao aborto representa o questionamento da maternidade como destino biológico de todas as mulheres.

Afirmar que a mulher pode escolher pela continuidade ou não de uma gravidez indesejada significa dizer que ela tem direito de dispor sobre seu próprio corpo, sua integridade física e exercer livremente a própria sexualidade desassociando sua sexualidade da maternidade.
Dessa forma, a bandeira da legalização do aborto é um questionamento da estrutura, valores da sociedade. Nossa luta, logo, está conectada com a transformação dessa sociedade e caminha para a construção de uma sociedade que seja igualitária, justa, solidária e libertária.


A caracterização como delito, não evita a realização do aborto, ao contrário, penaliza as mulheres mais pobres e negras que não têm condições de realizá-lo em clínicas particulares e seguras. Incentiva, portanto, sua prática clandestina. Feitos na ilegalidade e, em geral, em péssimas condições são uma das principais causas da mortalidade feminina decorrente de complicações na gravidez. Muitas mulheres provocam seus próprios abortos com uso de citotec, agulhas de tricô, água sanitária, o que leva a sérias complicações e à morte.


No Brasil, setores conservadores têm atuado em diversos âmbitos, seja no legislativo, seja no judiciário, seja nos meios de comunicação, para influenciar a opinião das pessoas no sentido de se posicionarem contra o direito das mulheres decidirem sobre suas próprias vidas e de suprimir os direitos conquistados historicamente pelas mulheres. A UNE vem, através da Campanha Pela Legalização do Aborto, apresentar um outro olhar sobre essa tema, compartilhando com o movimento feminista a defesa da vida das mulheres. É necessário nos prepararmos para superar as condições desiguais em que essa discussão está sendo colocada, o quê significa construir uma ampla mobilização a favor do direito ao aborto.

Não fazemos apologia ao aborto, respeitamos posições contrárias seja por motivos religiosos seja por outras razões. Contudo, devemos lembrar que o Estado é laico, ou seja, o credo de alguns não pode se regra para todos os cidadãos. A legalização do aborto não implica em sua obrigatoriedade, mas que a mulher tomando esta difícil decisão será respeitada e terá assistência de maneira digna e segura no Sistema Único de Saúde. Defender a legalização do aborto significa defender um sistema de saúde pública que atenda às demandas reais colocadas pela sociedade.fiz alterações de algumas palavras, mas mantive o conteúdo.
Foi com esse entendimento que, no último Encontro de Mulheres da UNE, realizado na Universidade Federal do Rio de Janeiro, em abril de 2007, centenas de estudantes colocaram a luta da legalização do aborto como luta prioritária para a UNE. Posteriormente, o 50º Congresso da UNE aprovou esta diretriz como sendo uma luta de todos os estudantes brasileiros. Essa luta não é apenas da UNE, mas de todo o movimento de mulheres e daqueles e daquelas que buscam a construção de um mundo justo e fraterno, especialmente as jovens mulheres que são parcela significativa que recorre ao aborto clandestino.

Organize essa Campanha em sua universidade!

Legalizar o Aborto! Direito ao Nosso Corpo!

Largamente realizado, feito por opção ou espontaneamente, o aborto faz parte da vida das mulheres. Todo mundo conhece alguém que já passou por essa situação. Entre as jovens, nas escolas, universidades, são comuns os "rateios" para socorrer as amigas “em apuros”.
Vários são os motivos que levam as mulheres a abortar, todos custam muita reflexão, muita ansiedade, na maioria dos casos, muita dor. Nenhuma mulher aborta porque “gosta” de abortar. É uma decisão extrema. As mulheres prefeririam evitá-la, não passar por essa situação. Pior, no entanto, seria levar a gravidez adiante não sendo sua opção.
A luta pela legalização do aborto envolve várias nuances: laicização do Estado, saúde pública, questões econômicas, sociais, psicológicas, autonomia das mulheres. Materializa-se em polêmica por apresentar a concepção das mulheres como pessoas autônomas e com direito de controlar seu corpo e sua sexualidade.
Às mulheres é destinada toda a tarefa de reprodução da sociedade: maternidade, cuidado, responsabilidade pela manutenção da vida. De tal forma que as mulheres propositoras de outra perspectiva são tidas como mulheres “relapsas”, “menos” mulheres ou mulheres “incompletas”. Omite-se os custos e o trabalho da reprodução como se fosse a maternidade, o cuidado fossem “destino natural” da mulher. Dessa forma, a bandeira da legalização do aborto é um questionamento da estrutura, valores e padrões de comportamento sexual da sociedade.
Colocamos em debate a função social da maternidade, a responsabilidade do Estado pela reprodução garantindo serviços de saúde de pré-natal e parto, creche e educação. Ao mesmo tempo viemos dizer que as mulheres devem decidir se querem ter filhos e qual o melhor momento.
O argumento da defesa da vida!
O debate sobre origem da vida é falacioso e recobre toda a estratégia de manutenção de um determinado padrão de sexualidade. O que realmente está em jogo são inúmeros direitos e liberdades conquistados ao longo dos últimos séculos e que setores conservadores da sociedade tentam retroceder.
Fica fácil perceber quando ouvimos, paralelo ao debate da “defesa da vida”, os discursos contra a utilização de preservativos, anticoncepcionais. Explicita-se, dessa forma, a tentativa de controle da sexualidade que está muito além da “defesa do feto como seres de direito”. Tal controle significa manutenção de um padrão de casamento único, monogâmico, heterossexual reafirmando a posição da mulher como procriadora.
Além disso, a própria determinação do momento em que se dá o início da vida sempre será uma convenção social, seja de base moral, jurídica, filosófica ou religiosa. Nas comunidades religiosa, jurídica e científica não existem consensos sobre o momento em que se inicia a vida.
O aborto é questão de saúde pública!
A caracterização como delito, não evita a realização do aborto, ao contrário, penaliza mais as mulheres pobres e negras que não têm condições de realizá-lo em clínicas particulares e seguras. Incentiva, portanto, sua prática clandestina e insegura que põe a vida de milhares de mulheres em risco.
Segundo a Organização Mundial da Saúde, 20 milhões dos 46 milhões de abortos realizados mundialmente, todos os anos, são feitos de forma ilegal e em péssimas condições, resultando na morte de, aproximadamente, 80 mil mulheres.
No Brasil, um milhão de abortos clandestinos são realizados anualmente. A prática é a quinta causa de internação hospitalar de mulheres no SUS, responde por 9% das mortes maternas e 25% das causas de esterilidade por problemas tubários. O número de abortos inseguros representa 30% dos nascidos vivos. Cerca de 60% dos leitos de ginecologia no Brasil são ocupados por mulheres com sequelas de aborto.
Além desses, é sabido que o abortamento inseguro cria um ambiente de culpabilidade nas mulheres gerando depressão, distúrbios de ansiedade, em síntese, mais problemas de saúde.
A conclusão é que o aborto inseguro é um problema de saúde pública. O Sistema Único de Saúde deve se preparar para atender as mulheres que fazem a opção de interroper a gravidez de forma segura. Paralelamente, a questão da gravidez não desejada deve ser encarada a partir de políticas públicas que reconheçam os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres criando ações de educação sexual e atenção à anticoncepção no sentido de diminuir a necessidade da realização de abortos.
Precisamos acabar com essa hipocrisia! Milhares de mulheres estão morrendo! Defender a vida é defender a legalização do aborto com assistência garantida no sistema único de saúde!
A defesa da legalização do aborto não é o incentivo a sua prática; faz parte da luta em defesa da autonomia das mulheres de seu corpo, de sua sexualidade, de direito de escolha.

* Ana Pimentel – Diretora de Mulheres da UNE gestão 2007-2009

Seminário Pela Legalização do Aborto

Aconteceu , entre os dias 18 e 20 de julho, o Seminário da UNE Pela Legalização do Aborto. O Evento debateu argumentos e instrumentos para trabalhar esse tema na universidade.
Saiu também consolidada a participação da entidade na frente ampla que está sendo gestada por diversos segmentos do movimento de mulheres e movimentos sociais.

Gênero e Educação Escolar


A educação para igualdade entre meninos e meninas é um elemento fundamental da cidadania e para a construção da democracia entre os gêneros. Lidar com as diferenças sem transformá-las em desigualdades é um dos grandes desafios dos educadores na atualidade.
Em nossa sociedade, as diferenças entre homens e mulheres são comumente remetidas ao sexo, as características físicas, tidas como naturais e imutáveis. Com base em definições do que é ser homem e /ou mulher edifica-se um sistema de discriminação e exclusão entre os sexos, que comporta vários estereótipos. O feminino e o masculino são apresentados como categorias opostas, excludentes e hierarquizadas, nas quais a mulher, os valores e os significados femininos ocupam posição inferior.
Considerando-se que somos educadas (os) desde pequenas (os) para representar papéis criados social e culturalmente e com os quais estamos tão acostumadas (os) que até parecem "naturais", vemos que é na família, na escola e no resto de nossas vidas que aprendemos e incorporamos estes papéis sociais. Assim, meninos e meninas são educados de forma diferente e nesta educação diferenciada vamos encontrar uma das bases para a submissão da mulher.
A diferença de gênero ainda é muito presente na educação de uma forma geral. A idéia de que ao homem cabe o “público” e as mulheres o “privado” ainda existe e é amplamente reproduzida. A escola, como instrumento de educação que é, ainda faz circular muito desses significados em suas práticas e no seu cotidiano.
Assim pensar a igualdade e democratização do ensino escolar,
nada pode ficar alheio ao enfoque das relações de gênero, desde as políticas educacionais, as trajetórias de alunas e alunos, o desenvolvimento de currículos, a análise dos livros didáticos e dos recursos pedagógicos, a formação de professores e até os temas que dizem respeito à identidade docente.



Professoras (es) têm tido um papel destacado em lutas históricas, das quais temos obtido grandes conquistas. No entanto, ainda é pequeno o trabalho desenvolvido sob a perspectiva de gênero para potencializar a educação como um verdadeiro instrumento de democracia e equidade para o futuro que desejamos. Só assim a escola poderá certamente contribuir para uma maior igualdade entre homens e mulheres no conjunto da sociedade, à medida que caminhar na direção de uma educação não-sexista, que contribua para superação de preconceitos e para a construção de pessoas comprometidas com a igualdade de direitos entre os sexos.
Transformar esse modelo exige determinação, atenção e disposição. Para se combater esta educação sexista deve-se evitar grupos por sexo, fazer leituras críticas dos livros didáticos a partir da perspectiva de gênero, analisar a realidade da sociedade brasileira e a importância da mulher nessa sociedade, acabar com os estereótipos que enclausuram homens e mulheres em mundos divididos e rígidos padrões de comportamento. Precisamos refletir também sobre gênero em nossas práticas e instituições sociais. A transformação não ocorre por inércia ou por acaso. Se hoje as mulheres ocupam outros espaços e não desempenham apenas o papel do privado é porque o movimento feminista questionou e lutou pela igualdade entre homens e mulheres. É, portanto, um grande desafio das educadoras (es) a construção de uma educação não sexista e que ajude a transformar nossa sociedade.
EDUCAR PARA TRANSFORMAR!!!!
*Amanda Mendonça e Sheila Castro – Marcha Mundial das Mulheres/RJ

As mulheres não são mercadoria

O “livre” comércio reafirma o sexismo da nossa sociedade para transformar direitos em
serviços comercializáveis, e reforça a desigualdade entre homens e mulheres.
Entre os dias 10 e 14 de setembro, a reunião ministerial da Organização Mundial do Comércio (OMC) pretende avançar na proposta de Acordo Geral sobre Comércio e Serviços (AGCS), que incluiria direitos dos cidadãos e cidadãs na categoria “serviços”, como saúde, educação, saneamento, energia, entre outros. A OMC, com isso, busca garantir os “direitos do capital”, por meio de políticas de liberalização relativas a comércio e investimentos internacionais.
Nós, estudantes, sabemos quais seriam os impactos desse acordo sobre a educação. É um grande golpe na defesa da universidade pública, uma vez que a educação passa a ser tratada como mercadoria, serviço comercializável (o governo que investe na educação pública pode ser acusado de “concorrência desleal”). Já nas instituições privadas, o descompromisso com a qualidade da formação se acentua, e o direito constitucional à educação vira refém, de uma vez por todas, do “mercado” que se abre.
Disso, podemos facilmente concluir que o acordo proposto pela OMC fere de morte a soberania nacional e coloca em cheque a construção de uma sociedade igualitária, pois os direitos são duramente ameaçados e adquirem o caráter de serviços a serem vendidos.
E as mulheres com isso?
Vale a pena aproveitar a situação posta para refletir sobre a questão das mulheres dentro disso. Primeiro, basta lembrar que as mulheres são 70% da população pobre do mundo, a quem o livre comércio propagandeado pela OMC não oferece oportunidades. O trabalho das mulheres é ainda mais precarizado, e a “dupla jornada” facilmente se torna tripla ou quádrupla.
Depois, caracterizar direitos como serviços traz impactos em outras esferas. Quem defende uma sociedade humana, igualitária, livre de opressões e da subjugação de um ser humano por outro, coerentemente, deve ser contra a implementação do AGCS. E também deve estar atento às manifestações machistas das quais o capital se vale para a própria reprodução.


Fazer esse questionamento exige um exercício de percepção. Não é à toa que a maior parte dos casos de violência contra a mulher é praticada dentro de casa. Não é à toa que, no mercado de trabalho, as mulheres estão menos presentes em cargos de direção, e ganhando menos que os homens.
Para vender seus produtos, o capitalismo não titubeia ao se apropriar da discriminação da mulher, reafirmando-a. A publicidade reserva à mulher o papel de produto, de objeto sexual, de mãe zelosa, de dona de casa dedicada. Assim, compromete a luta pela emancipação da mulher, a luta para que todos os espaços possam ser ocupados por mulheres, a afirmação de que as mulheres são sujeitos históricos e protagonizarão a própria libertação.
É fácil encontrar exemplos. A divulgação de produtos de limpeza da casa é direcionada às mulheres. A divulgação de cosméticos afirma que as mulheres terão sucesso à medida que sejam “desejáveis”. As famigeradas propagandas de cerveja reconhecidamente expõem a mulher como produto, como objeto sexual, como se dissessem aos homens: “beba esta cerveja e tenha esta mulher”, e às mulheres: “beba esta cerveja e seja esta mulher”, o que não deixa de ser ainda mais cruel.
Podemos imaginar, também, as armadilhas que o “livre” comércio trará aos países mais pobres do globo. O turismo sexual – por meio de pacotes que já incluem mulheres para programas – será cada vez mais legitimado por essa política de exploração selvagem. Isso já existe no Nordeste brasileiro, e em Angola, a prostituição chega a 50% das mulheres, e os índices de Aids quase a 25%. É esse o lugar dos países subdesenvolvidos no mundo mágico da OMC. É esse o lugar das mulheres no mundo dos direitos comercializados e da mercantilização da vida.
Transformar a nossa sociedade passa por combater o machismo que se manifesta nas mais diversas esferas. É preciso compreender que nenhuma opressão se dá ocasionalmente, mas cumpre funções, inclusive de controle social. É por tudo isso que as mulheres estudantes devem ter um posicionamento claro contra esse acordo proposto pela OMC. Em defesa dos direitos, em defesa de uma política que combata as desigualdades entre homens e mulheres, e principalmente, para afirmar que somos mulheres, e não mercadorias.
Alessandra Terribili
Diretora de Mulheres da UNE-gestão 2003-2005

Por que discutir gênero?

"Não digam nunca: isso é natural!
Para que nada passe por imutável”
(Bertold Brecht)

Questionar e redesenhar as relações sociais entre homens e mulheres é tarefa nada fácil. O senso comum diz que as desigualdades de gênero foram superadas, e que as mulheres já encontraram seu lugar. Essa compreensão equivocada renova a acomodação de mulheres sem perspectivas e o conforto de homens com a prerrogativa da decisão.
Mas quem pára para refletir sobre isso facilmente constata que a realidade é outra. Por que a maior parte dos casos de violência contra a mulher é praticada dentro de casa? Por que ainda há mulheres sofrendo violência sexual? Por que as mulheres são minoria nos cargos de direção do mercado de trabalho? Por que 70% da população pobre do mundo é constituída por mulheres?
Isso tudo e muito mais representam a ponta do iceberg de uma construção histórica e social que determinou um lugar social para as mulheres que não era o de sujeitos políticos, de protagonistas históricas, mas de inferioridade em relação ao homem. Pensemos bem... quais as características associadas ao masculino? Virilidade, força, bravura, racionalidade. E ao feminino? Ternura, cuidado, zelo, atenção, carinho, fragilidade. É aí que se encontra o conceito de gênero.
O termo “gênero” é usado para designar a construção social feita do que é masculino e do que é feminino. A utilização desse termo nos leva a refletir sobre o caráter essencialmente social das desigualdades e da hierarquização das relações sociais entre homens e mulheres; e além disso, uma vez que são construções sociais, ou seja, elaboradas ao longo da história pelos seres humanos, essas relações não são naturais, e podem – e devem – ser transformadas.
Gênero e identidade
Uma menina nem sabe, mas, simplesmente por ser mulher, já pode haver muitos caminhos pré-determinados na sua vida. Ela vai brincar de boneca, de casinha, de comidinha, não porque essa atitude é intrínseca a ela, mas porque existe um contexto social que a leva a isso. Assim, ela vai aprendendo a ser uma mãe zelosa, uma esposa dedicada, uma mulher recatada. Dificilmente ela será engenheira ou matemática, é mais provável que seja professora ou enfermeira.
Como podemos perceber, a identidade de meninos e meninas vai sendo modelada desde muito cedo. Simplificando bastante, o menino é ensinado a ser forte e protetor, enquanto a menina é ensinada a ser frágil e protegida. Esse binômio já nos leva a perceber a hierarquização que está presente nas relações sociais entre homens e mulheres.
As referências colocadas pela mídia dialogam e reafirmam esse imaginário social excludente. Expõem-se padrões de comportamento que são ainda mais rígidos no caso das mulheres. Se aos 7 anos ela quer ser a Cinderela, doce, frágil, que nunca levanta a voz nem desafia ninguém; aos 15, para ser aceita, ela se espelha na Tiazinha, a mulher sensual, sedutora, que nunca nega sexo. E o que há de comum entre a Cinderela e a Tiazinha? A fragilidade, a ternura, a sensualidade são características diretamente associadas à submissão.
Passa a caber às mulheres, portanto, um papel secundário na transformação do mundo e das relações políticas e sociais, e uma vez assumido esse “segundo lugar”, a opressão de gênero ganha cada vez mais força. Enquanto as mulheres não se reconhecerem e não se organizarem enquanto sujeitos políticos, sua própria libertação fica comprometida. Afinal, não se sabe de um único episódio na história moderna da humanidade em que direitos tenham sido dados por alguém. Direitos não são presentes, são conquistas. Olha aí a importância de discutirmos gênero.
As estudantes e a luta das mulheres
Portanto, para que, de fato, caminhemos rumo a uma sociedade igualitária, livre de opressões de gênero, raça ou classe, é preciso que o setor oprimido protagonize sua própria emancipação. E como será que o movimento estudantil pode intervir nessa construção?
A cultura sexista que observamos nas diversas esferas da nossa sociedade também se manifesta no movimento estudantil. Numa entidade, por exemplo, geralmente, as mulheres cumprem tarefas de organização interna, enquanto os homens se expõem e se tornam referências como figuras públicas. Num fórum de discussão, como uma assembléia, a imensa maioria dos falantes são homens, e, muitas vezes, as mulheres que “ousam” tomar a palavra são limitadas por assobios, gracejos, piadinhas e tantas outras formas de desrespeito e desqualificação.
Aqueles que contribuem para a manutenção desse cenário, algumas vezes, mal se dão conta do quão nociva é a sua atitude, e assim, acabam referenciando a política no masculino, desqualificando a intervenção feminina, excluindo as mulheres e reproduzindo toda uma cultura de opressão que nós observamos hoje.
É preciso romper com uma lógica de pré-determinação dos lugares sociais de homens e mulheres. Depois de algum exercício de percepção e reflexão, vemos que a mulher é educada para o espaço privado, enquanto o espaço público é majoritariamente composto por homens, ganhando características masculinizadas, como se não coubessem mulheres ali.
Eis aí mais uma barreira a ser rompida. A presença das mulheres no espaço público – o da política, por exemplo – é fundamental para a transformação de um imaginário social que submete as mulheres aos homens, e para a transformação de uma sociedade que legitima e reproduz esses valores discriminatórios a todo instante.
Aí reside a importância das ações afirmativas. A UNE (União Nacional dos Estudantes) reserva 30% de seus cargos às mulheres. Mas por quê? Não soa artificial demais?
Pode ser. Mas por meio de medidas artificiais, como as cotas, nós estamos afirmando que a igualdade de gênero não existe, e que precisa ser buscada. Além disso, o combate ao machismo nas diversas esferas da sociedade passa também por desconstruir um senso comum que exclui as mulheres desses espaços públicos, que as torna invisíveis. As cotas representam, portanto, um mecanismo de inserção política que dá visibilidade à luta das mulheres.
E a universidade?
Logicamente, a universidade não é uma ilha isolada do resto do mundo, e portanto, as desigualdades postas para além dos seus muros também se reproduzem dentro dela. A diferença qualitativa é que a universidade, como espaço de formulação, de crítica e de compreensão histórica, deveria ser um dos instrumentos contra essas opressões.
Alguém que se classifica como “libertário”, que, na universidade, luta em defesa da educação de qualidade, transformadora da realidade, que condena o autoritarismo dos poderosos, esse alguém não é coerente, pior, não é sequer um real ator político no processo de transformação social, na medida em que reproduz vícios machistas e contribui para manter a exploração, a “coisificação” e a opressão das mulheres. Se entendermos a universidade como espaço privilegiado para a disputa de pensamento, de hegemonia, de construção da sociedade que queremos, passa por esse espaço, necessariamente, a superação das opressões de gênero.
A participação das mulheres no processo de educação como um todo pode ser representada por uma pirâmide, sendo a base a educação infantil e o ápice, a universidade. As mulheres são quase exclusivamente responsáveis pela educação infantil, e sua presença ainda é majoritária no ensino fundamental. Na universidade, as professoras são minoria, e essa minoria se reduz ainda mais quando falamos de posicionamento na carreira (professoras titulares são poucas). Ou seja: as carreiras de mais prestígio e onde estão os melhores salários são menos ocupadas por mulheres.
E a produção de ciência e tecnologia? A presença feminina em cargos de direção em institutos e comissões de pesquisa nas universidades é bastante reduzida, mas pode-se dizer mais. Será que essa ciência e essa tecnologia que nossas universidades têm produzido atendem às demandas diferenciadas das mulheres? Será que os hospitais universitários estão preparados para oferecer atenção integral à saúde da mulher?
No caso das estudantes, rapidamente identificamos problemas referentes à discriminação. Na assistência estudantil, por exemplo. Quantas universidades no Brasil apresentam creches para que as mães estudantes possam concluir seus estudos sem serem prejudicadas? Quantas universidades no Brasil levam em consideração a maior dificuldade que as mulheres têm de deixar suas casas para estudar? Isso sem falar nos campi onde ocorrem estupros com freqüência, ou em casos explícitos de assédio sexual que ficam sem solução.
Aonde vamos?
Mas o que nós queremos, então, como mulheres e como estudantes?
As diferenças entre homens e mulheres não podem ser hierarquizadas, reservando um lugar de destaque para um, enquanto a outra cumpre papel coadjuvante. O sociólogo português Boaventura de Souza Santos, em palestra no III Fórum Social Mundial, lançou uma reflexão interessantíssima: temos o direito de sermos iguais quando as diferenças nos inferiorizam, e de sermos diferentes quando as semelhanças nos descaracterizam.
A emancipação das mulheres será obra das próprias mulheres. Por isso, é importante que o movimento estudantil, como elemento transformador não só da universidade, mas da sociedade na qual se insere, abra espaço e fortaleça essa discussão. Nos fóruns estudantis, desde os eventos nacionais até os localizados, é importante que o debate de gênero seja estimulado, oferecendo-se, assim, instrumentos para a organização das mulheres para as suas lutas.
É preciso questionar atos e hábitos cotidianos, estando atento à reprodução despercebida do machismo na nossa sociedade. Piadas, brincadeiras, musiquinhas, camisetas e qualquer elemento que reafirme a opressão das mulheres sob a pele da “brincadeira” precisa ser denunciada, precisa ser combatida. Afinal, é em espaços eminentemente simbólicos que as desigualdades de gênero encontram respaldo para se reforçar e se reproduzir.
Sendo essa uma luta dos estudantes, vale lembrar que nenhuma transformação vai acontecer enquanto houver opressões de gênero, de raça, de classe. Transformar o mundo passa por combater essas opressões. Caso contrário, não há compromisso. Há ilusão.
Alessandra Terribili
Diretora de Mulheres da UNE gestão 2003-2005
Kizomba

E as mulheres do ME vão à luta....

Alessandra Terribili
Diretora de Mulheres da UNE – gestão 2003-2005


A história da luta feminista é a história da auto-organização das mulheres. É quando as mulheres se organizam politicamente como o sujeito coletivo que são para enfrentar a opressão e a desigualdade.
No movimento misto, não é fácil construir essa auto-organização das mulheres. Por mais que entidades do movimento sindical, social, popular encaminhem lutas identificadas com a esquerda socialista, por libertação, por justiça, não é automático que as relações entre homens e mulheres deixem de reproduzir o que vemos no conjunto da sociedade. As mulheres precisam se organizar e lutar por isso, dentro e fora do seu movimento.
O Movimento Estudantil (ME), por sua vez, dialoga, majoritariamente, com a juventude. Entre jovens homens e jovens mulheres há as mesmas contradições. Na Universidade e no movimento há essas mesmas contradições. Nas entidades estudantis, começando nos CAs e DAs e chegando à UNE, a divisão sexual do trabalho se reproduz. Como nós podemos alterar essas relações, que são sim de poder? Como podemos fazer a Universidade entender que ela não pode fechar os olhos à desigualdade entre homens e mulheres? Como podemos construir um olhar feminista sobre a Universidade, que construa um recorte de gênero para as discussões de curriculum, para as estruturas de poder, para as expressões de violência sexista que acontecem dentro dos campi universitários? Como podemos fazer com que o ME incorpore essas bandeiras? Aliás, como podemos fazer para que o ME supere o machismo e a opressão que existem no seu interior?!!
A União Nacional dos Estudantes tenta responder essas questões mais organizadamente desde 2003, quando a Diretoria de Mulheres da UNE deixou de ser apenas mais uma pasta e passou a ser um espaço de auto-organização das mulheres do ME, que discute, propõe e encaminha políticas de combate à desigualdade. Isso, por si só, a conquista verdadeira dessa Diretoria de Mulheres, já é uma grande vitória.
A partir dela, vieram dois encontros nacionais de mulheres estudantes, veio o diálogo mais permanente com mulheres do ME, vieram os coletivos de mulheres nas universidades, as plenárias de mulheres em encontros nacionais e do movimento de área, e vem muito mais, certamente. A demanda e o reconhecimento são tantos que hoje, além da Diretoria de Mulheres da UNE, há uma 1ª Diretoria de Mulheres. Há uma presença cada vez maior do feminismo nas entidades do ME. Há cada vez mais legitimidade. Há uma política cada vez mais bem desenhada e respaldada. E há um enorme espaço a ser ocupado. Porque enquanto o machismo existir, nós estaremos organizadas – também na UNE – para enfrentá-lo e continuar escrevendo a história da nossa luta.