segunda-feira, 9 de maio de 2011

Cenas machistas do próximo capítulo


Confira o artigo de Talita São Thiago Tanscheit, estudante de Ciências Sociais da PUC-RIO, sobre o machismo nas novelas. 

"Em muitos países do mundo a garota
Também não tem o direito de ser.
Alguns até costumam fazer
Aquela cruel clitorectomia.

Mas no Brasil ocidental civilizado
Não extraímos uma unha sequer
Porém na psique da mulher
Destruímos a mulher."
Tom Zé

Nunca foi um problema para mim dizer que gosto de novela. Sim, gosto. É um momento onde esvazio a minha cabeça e não penso em nada, coisa difícil em um mundo com tanto trabalho e luta pela frente, como o mundo de hoje em dia. Não é por isso que deixo de concordar com o papel alienante que as telenovelas cumprem na sociedade brasileira, e como elas reproduzem, de forma estereotipada e exagerada, as opressões e as explorações que afetam as mulheres brasileiras diariamente. Por isso não deveria me assustar com o André (Lázaro Ramos), de Insensato Coração, a nova novela das oito da Globo. Mas insisto em me indignar.

O André é o cara que, segundo o autor da novela, todas as mulheres gostariam de passar uma noite. De um jeito sedutor, ele conquista todas as mulheres que deseja, e todo capítulo ele leva uma para seu apartamento. Essas cenas todas terminam com as mulheres loucas para vê-lo mais uma vez, ou com elas torcendo para ele pedir seus telefones. Mas ele não pede, e "honestamente", "joga limpo" com elas, dizendo que não repete transas. Após isso, aparecem cenas dele contando vantagem com os amigos, sobre como as mulheres se derreteram com ele ou como a mulher X ou Y agora persegue ele, ou não tira ele da cabeça. Ele não quer se relacionar com as mulheres, mas apenas marcar mais um número em seu caderno de anotações.

É triste ver o Lázaro Ramos, ator que sempre admirei por suas interpretações e posições políticas, fazendo um papel tão deplorável. Não só na forma como se refere ou como se relaciona com as mulheres, como se nós fôssemos apenas prestadoras de serviços pontuais a eles e seus amigos homens, mas da forma como enxerga e trata nós mulheres, como verdadeiras prostitutas. Nesta lógica, não interessa o nome da mulher, quem ela é, ou o que ela faz, mas sim que ela ofereça um bom serviço em seu apartamento com vista para o mar na Zona Sul do Rio de Janeiro, e fim. Fim não, porque vejam só como ele é bonzinho, ele paga o táxi da volta para casa das mulheres. Quer relação mais mercantilizada que esta?

A sociedade capitalista consegue naturalizar o abominável. A crítica deste texto não é moralista, mas sobre confusão feita entre ser liberal e ser libertária. Para nós, mulheres femistas, não pode servir um modelo liberal de relacionamento, que nos trate como objeto, pois isso sempre foi assim, historicamente. Nem nos serve mais a velha história dos contos de fadas. O que nos vale, é que nossas relações sociais e sexuais sejam baseadas em valores de solidariedade, e não de reprodução da economia capitalista, em que até as relações sexuais se tornaram mercadoria. Certíssima está a gloriosa feminista Alexandra Kolontai, quando fala da necessidade de praticarmos o amor-camaradagem, baseado no afeto, na liberdade e no companheirismo. Só este porá um fim a servidão das mulheres pelo homens.

Exemplos como estes, e outros muito piores, estão no dia-a-dia das programações televisivas de nosso país, seja em novelas, em reportagens ou em programas de auditório, onde estamos sempre marginalizadas e mercantilizadas. Nossa tarefa não é fácil, mas temos que seguir em frente. Rompendo não apenas com o machismo, pois este é impossível de se romper sozinho, mas também com o monopólio dos meios de comunicação e com a ausência de participação popular na formulação da programação televisiva do nosso país. Reafirmar que, para mudar a vida das mulheres, uma outra comunicação inclusiva e libertária se faz urgente, pois só mudando o mundo que mudamos as nossas vidas.

*Talita São Thiago Tanscheit é estudante de Ciências Sociais da PUC-RIO e militante do Coletivo de Mulheres da PUC-Rio, da Marcha Mundial das Mulheres e da Kizomba Lilás

A carta dos alunos de obstetrícia da USP

A Diretoria de Mulheres da UNE apóia a luta das estudantes do curso de Obstetrícia da Universidade de São Paulo. Confira o Pedido de apoio à Graduação de Obstetrícia na Universidade de São Paulo.

A saúde da mulher encontra no Brasil números alarmantes. A OMS recomenda que o número de cirurgias cesáreas não ultrapasse 15%, porém, na rede pública brasileira este número alcança a marca de 48% e na rede particular de 70% a 90%. Apesar do incentivo do Ministério da Saúde do Brasil pelo parto normal e pela humanização dos mesmos, as taxas permanecem altas. Sendo assim, em resposta a este quadro, o curso de Obstetrícia foi reaberto na Universidade de São Paulo em 2005, 34 anos depois de sua extinção na mesma universidade.

Ressurgiu determinado a formar profissionais da saúde, capacitados para prestar uma assistência humanizada à população brasileira no que se refere assistência pré-natal, parto e pós parto, compreendendo a saúde da mulher, família e comunidade.
Acreditamos que uma atenção humanizada não é uma especificidade da obstetrícia, certamente profissionais médicos e enfermeiros podem e devem humanizar seu olhar e suas práticas. Contudo, a formação específica de Obstetrícia capacita os profissionais para praticar uma atenção individualizada à mulher e à família, compreendendo-a em seus processos de gestação, parto e amamentação como fisiológico, mas também e igualmente importantes, como processos emocionais, sociais, culturais, espirituais e como sementes para um mundo melhor.

No entanto, apesar de se propor a colaborar com a melhora da atenção a saúde da mulher, desde a sua reabertura, o curso enfrenta muitas dificuldades, dentre elas o impasse em relação a regularização da profissão de obstetriz. No diálogo com as instituições que poderiam regulamentar os profissionais formados nesse curso, viu-se a necessidade de ampliar a formação dos mesmos, o que gerou uma reformulação em sua grade curricular, que a partir de 2011 passa a ser realizado em 4 anos e meio em período integral. Assim, o curso foi tratando de dar respostas, aprender e recordar sempre qual a sua função e a importância que representa na possibilidade de contribuir na melhoria da atenção a saúde no Brasil.

A esses impasses soma-se o fato do curso de Obstetrícia estar situado em um campus recente da USP. Sendo um campus novo, os cursos situados nele têm pouca divulgação e consequentemente menor procura do que cursos tradicionais. Devido a isso, hoje a Obstetrícia enfrenta um problema ainda mais grave do que a regularização de seus profissionais: corre o risco de ter seu vestibular suspenso, o que abre a possibilidade do fechamento do mesmo. Além disso, há também a possibilidade de redução das vagas para acesso ao curso (hoje 60 vagas são disponibilizadas por ano). Entendemos, no entanto, que a realidade da assistência obstétrica no Brasil justifica a manutenção das 60 vagas atuais, permitindo a formação de um maior número de profissionais capacitados na assistência humanizada à saúde da mulher.

Como consequência indireta e não menos importante, a suspensão do vestibular e possível fechamento do curso diminui as chances das pessoas que vivem na Zona Leste de São Paulo, região caracterizada por população de menor poder aquisitivo e, dado o quadro das universidades do Brasil, com menor chances de cursar uma faculdade pública, em geral com maior prestígio no país.

Enfim, estamos falando da possível extinção da profissão Obstetriz e de sua capacidade de mudar a realidade obstétrica brasileira. Hoje os alunos formados podem trabalhar mediante uma ação judicial, porém enfrentam uma oposição das instiuições reguladoras que dificulta o ingresso destes profissionais no mercado de trabalho.
Pedimos, então, o seu apoio para evitar que a Obstetrícia tenha seu vestibular suspenso e sua formação ameaçada. Para isso você deve assinar o texto abaixo, podendo acrescentar comentários pessoais, e depois enviar para o email ajudeaobstetricia@gmail.com

Diante da realidade obstétrica brasileira, com altas taxas de cesárea e morbimortalidade materna, ao contrário das recomendações da OMS, apoio a graduação de Obstetrícia da Universidade de São Paulo, sendo contrário à suspensão de seu vestibular. Da mesma maneira apoio a profissão Obstetriz e sua inserção no mercado de trabalho, uma vez que acredito que este profissional pode alavancar uma assistência humanizada na saúde da mulher, melhorando e ressignificando os processos de gestação, parto e pós-parto.