Mulheres na universidade
Reunidas em Camaçari, entre os
dias 29 a 31 de Março de 2013, no 5° Encontro de Mulheres da UNE, as mulheres
estudantes entendem que mais de 50% do corpo discente das universidades
brasileiras são compostas por elas, mas ainda assim continuamos detectando a
presença do machismo, que está arraigado no modo de organização da nossa
sociedade e, também, do ambiente educacional. Ao entrar na universidade essa
realidade já é nítida. Uma parcela significativa das estudantes ainda ingressa
majoritariamente em cursos considerados femininos, ligados às ciências humanas ou
aos cursos associados ao cuidado.
Sabemos também que o conteúdo que
estudamos em nada reflete a vida das mulheres e isso passa por todas as áreas
do saber como na saúde, história, direito, economia. A contribuição das
mulheres às ciências é pouco valorizada e as grades curriculares continuam a
ignorar as desigualdades de gênero. A educação sexista ainda está amplamente
presente em todos os níveis educacionais e, assim, fortemente enraizado na
universidade. Além disso, os espaços de poder dentro da estrutura universitária
continuam dominados pelos homens, havendo poucas mulheres reitoras, chefes de
departamentos e de pró-reitorias. Também por isso, as políticas de permanência
das mulheres na universidade não são tratadas como prioridade pelos espaços de
decisão da universidade. Faltam creches na maioria das universidades públicas
do país e as residências universitárias não permitem filhos e, em algumas
sequer, mulheres grávidas.
Outro aspecto importante que se
destaca logo na entrada das estudantes ao ambiente universitário é a realidade
dos trotes machistas, racistas e homofóbicos. Essa prática, ao contrário de ser
uma brincadeira, tem o nítido objetivo de marcar, logo no início da vida
universitária das mulheres, uma posição de subordinação e desigualdade. Em
várias cidades, se repete um estilo de trote, em que as mulheres se submetem a
simulações de conotação sexual, lembrando que a sexualidade das mulheres está
sempre cerceada e ditada pelos homens. Os trotes são uma expressão real dos
desafios que as mulheres vivenciam no ambiente universitário e deve ser objeto
de campanha dos DCEs e Centros e Diretórios Acadêmicos, assim como tem sido
objeto de denúncia pela União Nacional dos Estudantes.
As estudantes querem transformações por inteiro
A luta por uma universidade mais
justa passa por entender que está em jogo uma forte disputa de valores na
sociedade brasileira, principalmente os da juventude. Hoje, a juventude, mesmo
com mais poder econômico e com maior presença nos bancos universitários, ainda
está sujeita à cultura de massas, à reprodução de valores neoliberais e
conservadores.
Estimula-se uma ideia
individualista, de que a juventude precisa ampliar suas habilidades com o
objetivo único de competir no mercado de trabalho. No entanto, sabemos que as
condições estruturais que os jovens vivenciam são de ocupação de postos de
trabalho precarizados, de maior suscetibilidade ao desemprego e péssima
remuneração. Os que estão na universidade sustentam duplas jornadas de
trabalho, para ter condições de se manter estudando. Para as mulheres estudantes,
essa realidade é ainda mais dura. Muitas vezes elas são as únicas ou principais
responsáveis pelo trabalho doméstico e pelo cuidado das e dos filhos, sem
acesso às creches universitárias, bolsas ou a qualquer serviço público de
socialização desse trabalho.
As mulheres negras, que vivenciam
o racismo também geográfico, continuam ocupando as periferias das cidades,
sofrendo com a falta de serviços públicos de qualidade. Como maioria das
trabalhadoras domésticas, as mulheres negras sempre lutaram por melhores
condições de vida e de trabalho. Um dos frutos disso foi a provação da PEC das
trabalhadoras domésticas, que possibilita, enfim, direitos iguais à essas
mulheres trabalhadoras. Essa é, sem dúvida, uma grande conquista para a nossa
sociedade.
A disputa de valores também está
refletida nos meios de comunicação, onde o povo não tem voz e as mulheres
continuam sendo submetidas a estereótipos opressores e vendidas como produto. A
democratização dos meios de comunicação é imprescindível para que os setores
oprimidos da sociedade divulguem suas realidades e disputem os valores impostos
pelos grupos que controlam a mídia no Brasil.
A mercantilização do corpo e vida
das mulheres é uma característica do modelo capitalista em que estamos inseridas.
Ao mercantilizar as esferas de toda a vida e ao marcar a posição das mulheres
na sociedade como de subordinação, vemos a representação dos corpos femininos
como coisas a serem compradas, violentadas ou tomadas à força. A
mercantilização e a violência sexista estão no centro da permissividade com
relação aos estupros, que ocorrem principalmente entre as jovens. Os agressores
são, muitas vezes, absolvidos pela sociedade e a culpa e peso recaem sobre as
mulheres, que vivem sob ameaça e exclusão.
Em relação ao meio ambiente, não
é diferente. A economia verde foi o ápice das falsas soluções que o capitalismo
propôs como saída para crise ambiental que enfrentamos, mercantilizando a
natureza, quando a única solução verdadeira é o próprio fim do capitalismo.
Sabemos que essa crise afeta principalmente as mulheres campesinas, indígenas e
quilombolas responsáveis pelo trabalho com a terra e pela produção de alimentos.
Portanto lutar ao lado dessas mulheres pela soberania alimentar, contra o uso
de agrotóxicos e pela conquista de direitos dos povos originários é também
acabar lutar pela emancipação das mulheres que convivem com essas opressões.
O sistema político continua
reproduzindo a noção de que o espaço público não deve ser o espaço de
intervenção das mulheres. A atual constituição do sistema eleitoral reproduz a
exclusão das mulheres, levando a presença das ditas “laranjas”, com o único
objetivo de cumprir a cota dos partidos políticos. Além disso, a laicidade do
Estado é, a cada dia, posta mais em cheque, com o aumento do conservadorismo e
das organizações religiosas machistas, racistas, homofóbicas. Nesse sentido,
ainda hoje, não nos é permitido ter autonomia para decidir sobre nossos corpos,
ao mesmo tempo em que um número alarmante de mulheres sofre de sérias
complicações decorrentes de aborto inseguro, levando em muitos casos à morte,
contribuindo de forma decisiva para o genocídio da juventude negra. Portanto é
necessário reafirmar a legalização do aborto como pauta que é central da UNE a
ser defendido em todos os espaços. Bem como a defesa da saúde integral da
mulher com acesso a contraceptivos e planejamento familiar.
A defesa da saúde pública é
fundamental para a vida das mulheres, porque nós somos a maioria dentre os
usuários da saúde e também somos maioria dentre os trabalhadores. É necessário
fazer a luta em defesa do SUS, entendendo que a privatização da saúde
transforma direito em mercadoria. Neste
sentido é necessário reafirma a luta contra a EBSERH, sendo este um projeto que
privatiza a educação e a saúde, atingindo diretamente as mulheres.
Feminismo para mudar a universidade
Nós sabemos que a universidade,
em todas suas esferas, ainda é produto de uma sociedade desigual e opressora.
Porém, nós, mulheres estudantes, que defendemos outro modelo de sociedade,
acreditamos que a universidade deve cumprir um papel importante nessa
transformação. E defendemos que uma universidade de qualidade deva estar a
serviço da emancipação do povo na construção de uma sociedade sem qualquer tipo
de opressão e desigualdade.
Acreditamos que as mulheres
identificam as amarras que as predem e que juntas podemos mudar essa realidade.
As estudantes organizadas no movimento estudantil organizam coletivos de
mulheres nas suas universidades, se revoltam contra os trotes machistas,
racistas e homofóbicos e reivindicam questões nas suas entidades estudantis e
produzem nas suas próprias experiências acadêmicas produtos sobre a realidade
das mulheres. As estudantes organizadas constroem o feminismo em oposição ao
machismo e lutam para desconstruir todas as práticas sexistas, racistas e
lesbofóbicas. Acreditamos em um mundo sem desigualdades e no qual as construções sociais de gênero não mais existam para nos
oprimir e construir hierarquia e poder dos homens sobre as mulheres. Nessa
construção as estudantes afirmam a luta feminista para construir uma sociedade
libertária. A partir da auto-organização somos capazes de compartilhar experiências
e se fortalecer enquanto sujeitos coletivos de luta e emancipação.
Portanto, é central para a
Diretoria de Mulheres da UNE construir processos que afirmem o direito à
autonomia econômica das mulheres e à divisão igualitária do trabalho doméstico
e de cuidados, se somando na luta pelas creches públicas e universitárias e
reivindicando uma política nítida de assistência estudantil. Lutamos pela
legalização do aborto como uma forma de garantir a saúde e autonomia das
mulheres e exigimos o fim das práticas racistas, homofóbicas e machistas nas universidades.
Lutamos pelo direito de determinarmos a forma de viver a nossa sexualidade, sem
que tenhamos que sofrer violência por isso. Lutamos para que os jovens negros e
negras e indígenas possam ter iguais condições não só de entrada, mas também de
permanência nas universidades. Lutamos por um futuro pleno para mulheres e
homens, transformando a universidade, transformando o nosso país.
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